Estendo a mão e já os meus dedos ultrapassam a fronteira. Sendo esta uma das últimas cartas de CRETA, chegando nós ao fim do ano, e, com isso, ao fim de CRETA, talvez se espere que apresente alguns números: qual o alcance do projecto, quais as actividades que fizemos, que retiramos de tudo isto. Mas, francamente, acho mais importante falar de fronteira. E parte porque Dezembro é a fronteira entre este e o próximo ano, e porque em Dezembro as fronteiras alimentam o que em CRETA se passa.
Portanto, retomo: estendo a mão e já os meus dedos ultrapassam a fronteira. Estou no meio de uma estrada, a ponta dos meus dedos em Espanha, meu corpo inteiro em Portugal. O mesmo sol ilumina este lado e aquele. Nada nos meus dedos indica que estão em lugares diferentes. Ainda assim, partindo meu corpo, uma fronteira. E, para além de necessidades administrativas, pergunto: o que faz uma fronteira? Porque existe uma fronteira? Mesmo as fronteiras do corpo, onde começo? Onde termino? Ou serei do tamanho do que vejo, ao jeito de Pessoa?
Pergunto isto porque sei que, logo no início de Dezembro, nos dias 6 e 7, uma migrante chamada Ĉiela, há de morrer numa fronteira. Podemos vê-lo no espectáculo “lamento de ĉiela”, que escrevi e encenei. A interpretação é de Carla Galvão e de Bruna Maia de Moura. Não posso deixar de pensar que em algum momento Ĉiela tem de fugir precisamente por haver fronteira, e que Ĉiela morre precisamente porque há fronteira. E que no teatro, como o poderão sentir na Igreja Madre Rita, há fronteiras, limites evidentes.
E é na fronteira de si mesmas que Sofia Moura e Rosana Martínez Baena fazem Península, no final de Dezembro. Um espectáculo criado a partir da sua condição de vizinhas peninsulares. Imagino que também elas perguntem o que as distingue, se o mesmo sol as ilumina. Curiosa reflexão, esta, em que duas pessoas vêem a fronteira que as separa diluída por uma outra. Afinal, muito líquido é este conceito. E talvez seja como diz a canção: é mais o que nos une que aquilo que nos separa. Península será a primeira produção da companhia Mochos no Telhado. Algum dia assistiram ao nascimento de uma Companhia de Teatro?
Da fronteira levanto o braço, aceno-vos com amizade. Aqui estamos, por aqui andámos, esperamos, do outro lado da fronteira, continuar a construir este projecto.
Até breve.
Um abraço,
Guilherme