Quem cuida dos imortais? Dos imortais guerreiros, dos imortais problemas, das imortais expectativas. Quem cuida dos imortais como quem diz quem os abriga, mas também, quem repara que os imortais existem sequer.
Passei os últimos meses a pensar em Miguel Ângelo, pensamento que culmina na leitura da sua biografia escrita pelo professor Agostinho da Silva. Enquanto Miguel Ângelo pintava, a portas trancadas, o tecto da Capela Sistina, quem cuidava desta imortal força?
“Quem cuida dos imortais?” passa a ser, bem vistas as coisas, uma pergunta importante. Quem cuida da imortal graça, ou da imortal confusão, quem cuida da imortal natureza, quem cuida das imortais nuvens e dos imortais vales?
Talvez os poetas.
Tudo isto porque Jorge Fraga decidiu chamar imortais ao recital que apresenta em CRETA. Que ideia feliz. É do seu recital, pelo menos do guião que Fraga construiu, que retiro esta questão. Jorge Fraga e os seis leitores que a ele se juntam para o recital são cuidadores de imortais ideias, imortais palavras, imortais sentimentos. Também a casa onde concretizam este cuidar parece casa de imortais. A Casa das Águias, ali perto da Cava de Viriato, é o palácio dos imortais durante todas as tardes de domingo de Novembro.
Numa visita a Paris, decidi fazer o percurso entre a casa de Samuel Beckett e o estúdio de Alberto Giacometti como imaginei que Beckett o faria: a pé. Cruza-se, no caminho, o cemitério de Montparnasse. Jean Genet disse sobre as esculturas de Giacometti que eram mortos caminhando. Todas estas ideias somadas, gosto de pensar que foi com discretos imortais que Samuel Beckett lidou toda a sua vida. Os seus estranhos diálogos, a sua inóspita circunstância. Beckett, que tinha Joyce como mestre e referência, acabou por contrariá-lo: foi pela subtracção que trabalhou, parece que procurando esboçar a essência humana (mais uma imortal). No dia 5 de Novembro, no Clube de Leitura de Peças de Teatro, lemos duas peças curtas deste que é um dos mais influentes nomes da dramaturgia moderna. Pessoalmente, não escondo a importância que Beckett tem para as coisas que penso.
Como uma espécie de brincadeira com os conceitos que aqui convoco, é também em torno de abrigo que a Oficina de Figurinos deste mês se faz. Chamamos-lhe O Princípio de um Casaco e creio que o título é eloquente apresentação da oficina; continuamos a querer responder à vontade de transformar em símbolo tudo o que se coloca em cena. Atenção, embroa se realize dias 16 e 17 de Novembro, as inscrições terminam já no dia 8.
A terminar o mês temos encontro com três jovens cabeças viseenses, que convidamos a pensar sobre mais uma das cartas do professor Agostinho da Silva na segunda edição de Água Nova para as Mesmas Margens. Será no dia 30 de Novembro, só ainda falta confirmar o lugar.
Agora que chego ao fim do texto penso que poderia ter escrito sobre isto mesmo: o fim. Este mês é o mês do último Recital, do último Clube de Leitura, da última Oficina, do último Água Nova para as Mesmas Margens. Depois deste mês ficam a faltar na agenda de CRETA dois espectáculos: um que vem logo no início de Dezembro, escrito e encenado por mim, com as maravilhosas Carla Galvão e Bruna Maia de Moura. Apresentamos o “lamento de ĉiela”, espectáculo em torno da figura histórica do migrante, na Igreja Madre Rita, nos dias 6 e 7 de Dezembro. No final de Dezembro, a recém formada companhia Mochos no Telhado apresenta, resultado de um convite feito a Sofia Moura, aquela que é a sua primeira produção. Luis Miguel Cintra escreveu um dia que por cada nova companhia de teatro que surge deviam acender-se mil estrelas no céu. Deixo aqui a minha expectativa: com o aparecimento da Mochos no Telhado, parece-me, há de nascer uma galáxia inteira.
Esta é a penúltima carta de CRETA anunciando intenções. Como sempre, estamos carentes das vossas respostas. E agradeço todas as generosas palavras que temos recebido desde Maio. Que entusiasmante aventura!
Um abraço,
Guilherme