Nona Carta de CRETA

12/31/2019Newsletter

Olá,

Escrevo de pé, em frente a uma porta fechada. Porque, em princípio, para todos os labirintos há um fim. Afinal, cada labirinto é um enigma, um problema que se coloca, e a chave da sua resolução alguém a guarda, ou em algum momento se encontra. No caminho que percorremos, neste labirinto de CRETA, chegámos aqui: uma porta, o fim de um percurso. Enfim solucionado, podemos pensar sobre o caminho que escolhemos fazer.

2019 foi um ano transformador. Desde que CRETA apareceu, em Maio, aprendi um mundo de coisas novas. Vocês mo ensinaram. E, se alguma coisa posso dizer, eu agradeço.

Agradeço à Ana Seia de Matos, ao Luís Belo, ao Luis Miguel Cintra, à Carla Galvão, ao João Reixa, à Bruna Maia de Moura, à Nídia Roque, ao Rui Seabra, ao L Filipe dos Santos, ao Rui Pêva, à Sílvia Duarte, à Sofia Moura, ao Dennis Xavier, à Rosana Baena, à Guida Rolo, ao Roberto Terra, à Mariana Pereira, à Rosário Pinheiro, ao Gonçalo Alegre, à Sónia Sobral, ao Jorge Fraga, ao André Teixeira, ao Francisco Poppe, à Gabriela Coutinho, a Loff Olufson, ao Rafael Lopes, à Rita Camões, à Vanessa Parauta, ao Bruno Bravo, à Ana Alves, à Rosa Cotinha, e à Rita Cabaço por terem participado na programação de CRETA de forma mais ou menos directa, contribuindo para que o projecto fosse o que foi.

Também às instituições que se associaram a CRETA, deixo o meu agradecimento. Nomeadamente o Município de Viseu, cujo apoio atribuído através do programa Viseu Cultura, e da mediação de contactos com os Museus Municipais, foi fundamental para que CRETA existisse.

E a todos os que se juntaram a nós, na construção deste percurso, obrigado.

Chegados aqui, penso neste movimento de construção a tantas mãos. Que coisa extraordinária, olhar por cima do ombro, ver que para trás o caminho ficou iluminado; olhar para o chão e reparar que ao lado da marca dos meus passos encontro a marca dos vossos.

Mas chegámos a uma porta. Como no Teatro, porque estamos num labirinto, esta pode ser uma porta falsa; perceberemos então, que o caminho valeu pelo caminho, que a consequência deste percurso é a marca que deixamos no chão, e o corredor iluminado. Estendo a mão para a porta, confortado pela ideia de que, se a porta for falsa, pelo menos o caminho até aqui chegar foi de uma grande riqueza. Faço rodar a engrenagem da fechadura, a porta cede, do outro lado um corredor ainda. Talvez seja este o segredo de CRETA, aquele em que Dédalo se enredou, a cada promessa de solução, um novo caminho por percorrer.

Em 2020 continuaremos a caminhada que em 2019 começámos. Optei por dedicar o próximo ano a pensar sobre a passagem do Tempo através da programação de CRETA. E sei que no tempo de um ano estaremos de novo em frente a uma porta, com a incerteza ainda do que para lá da porta estará. Nesse momento olharemos sobre o ombro, outra vez, e vamos poder ver com amizade o que agora ainda é futuro. Haverá, no final de contas, melhor presente?

Atrevo-me a desejar a todos os que estão a ler estas palavras, votos de um novo ano repleto de inquietação. Acima de tudo, inquietação. Uma nova década inquieta. E que essa inquietação nos convoque o pensamento.

Retomamos as actividades de CRETA em Maio de 2020.
Até lá, vamos dando notícias.
Um abraço, e até já!
Guilherme

Oitava Carta de CRETA

12/02/2019Newsletter

Estendo a mão e já os meus dedos ultrapassam a fronteira. Sendo esta uma das últimas cartas de CRETA, chegando nós ao fim do ano, e, com isso, ao fim de CRETA, talvez se espere que apresente alguns números: qual o alcance do projecto, quais as actividades que fizemos, que retiramos de tudo isto. Mas, francamente, acho mais importante falar de fronteira. E parte porque Dezembro é a fronteira entre este e o próximo ano, e porque em Dezembro as fronteiras alimentam o que em CRETA se passa.

Portanto, retomo: estendo a mão e já os meus dedos ultrapassam a fronteira. Estou no meio de uma estrada, a ponta dos meus dedos em Espanha, meu corpo inteiro em Portugal. O mesmo sol ilumina este lado e aquele. Nada nos meus dedos indica que estão em lugares diferentes. Ainda assim, partindo meu corpo, uma fronteira. E, para além de necessidades administrativas, pergunto: o que faz uma fronteira? Porque existe uma fronteira? Mesmo as fronteiras do corpo, onde começo? Onde termino? Ou serei do tamanho do que vejo, ao jeito de Pessoa?

Pergunto isto porque sei que, logo no início de Dezembro, nos dias 6 e 7, uma migrante chamada Ĉiela, há de morrer numa fronteira. Podemos vê-lo no espectáculo lamento de ĉiela, que escrevi e encenei. A interpretação é de Carla Galvão e de Bruna Maia de Moura. Não posso deixar de pensar que em algum momento Ĉiela tem de fugir precisamente por haver fronteira, e que Ĉiela morre precisamente porque há fronteira. E que no teatro, como o poderão sentir na Igreja Madre Rita, há fronteiras, limites evidentes.

E é na fronteira de si mesmas que Sofia Moura e Rosana Martínez Baena fazem Península, no final de Dezembro. Um espectáculo criado a partir da sua condição de vizinhas peninsulares. Imagino que também elas perguntem o que as distingue, se o mesmo sol as ilumina. Curiosa reflexão, esta, em que duas pessoas vêem a fronteira que as separa diluída por uma outra. Afinal, muito líquido é este conceito. E talvez seja como diz a canção: é mais o que nos une que aquilo que nos separa. Península será a primeira produção da companhia Mochos no Telhado. Algum dia assistiram ao nascimento de uma Companhia de Teatro?

Da fronteira levanto o braço, aceno-vos com amizade. Aqui estamos, por aqui andámos, esperamos, do outro lado da fronteira, continuar a construir este projecto.

Até breve.
Um abraço,
Guilherme